Relato de um sobrevivente da violência no Recife.

Já era noite e o clima ficou tenso por causa do barulho e da bagunça que alguns elementos faziam no local. Eu estava lá. Não fui sequestrado, simplesmente era necessário que estivesse ali. Mas não sabia o que me esperava. Alguns alertaram no local o que poderia acontecer. De repente ouço um som parecido com um estouro de uma pequena bomba. O pânico foi geral, idosos e jovens, homens e mulheres colocaram seu corpo perto do chão a fim de protegerem suas vidas. Eu tentei permanecer tranquilo, mas na verdade estava sem saber como agir. Mas fiz o que a maioria fez. Abaixei-me colocando meu joelho direito no piso e meu braço por cima da minha cabeça. Sinceramente me senti em um cenário de guerra. Não tinha medo de ser atingido pelos objetos que eram lançados sobre nós, mas sim pelos estilhaços que os objetos produziam no impacto. Felizmente não fui ferido.

Esta cena que acabei de descrever aconteceu quarta-feira, dia 30 de março de 2011. Tinha participado de uma reunião na Igreja. Na volta passei pela integração de Ônibus PE-15, entrei no PE-15/Afogados como de costume. Estava presente naquele lugar uma torcida organizada do Santa Cruz. Aqueles elementos (o típico idiota que vai para o campo com a finalidade de brigar) entoavam xingamentos aos rivais e provocavam as pessoas que passavam pela rua. Ao atravessar um bairro chamado Aguazinha os próprios vândalos alertaram que viriam muitas pedradas pela frente.

Isso parece ser rotina, o esquema é simples, porém violento. No dia de jogo quando as torcidas se dirigem ao local da partida, um bando rival fica escondido geralmente em esquinas esperando o ônibus passar com torcedores do time adversário para atacá-los com pedras e rojões. E no meio de toda essa barbárie pessoas que não tem nada a ver com essa porcaria, mulheres, crianças e idosas no meio de marginais sedentos por sangue. Os próprios torcedores que estavam dentro do ônibus também levavam pedras grandes e pesadas que poderiam fazer um grande estrago ao alvo atingido.

E de fato as pedradas vieram. Atingiram os vidros do ônibus violentamente causando pânico para todos nós. Eu sabia também que era possível que os vândalos estivessem com rojões nos quais eles colocam bolas de sinuca ou algo do tipo para causar dano. O meu medo naquele momento era ser acertado na nuca, principalmente porque estava em pé no ônibus e tenho 1.94m de altura. Então ao ouvir o barulho das primeiras pedradas logo me abaixei. Os passageiros gritavam desesperados para o motorista da ré no veículo, outros pediam para ´´arrastar`` , expressão usada para se referir a aceleração bruta do automóvel. O motorista atendeu o segundo pedido. O vidro em frente ao condutor também foi atingido, mas para alivio dele o vidro somente ficou trincado. Neste momento só pensei em me abaixar e tentar-me proteger, mas não tinha certeza se poderia ser atingido pelos estilhaços do vidro. Foram muitas janelas quebradas e várias pedradas por todo o ônibus. Ao passar pelo local do conflito fiquei mais aliviado, os bandidos ficaram para trás, mas os de dentro ainda permaneciam, o clima ainda era tenso na possibilidade de novos ataques.

Logo que me levantei perguntei para um passageiro que estava na minha frente se era sempre assim. Ele me disse que geralmente a polícia faz a escolta do ônibus e garante a segurança dos passageiros, mas pela sua expressão isso não era de modo algum novidade. Os marginais que continuavam no ônibus ainda estavam com pedras nas mãos procurando por possíveis rivais nas ruas, eles também quebraram alguns vidros que estavam na janela para poder ter um melhor ângulo na hora de arremessar sua ´´munição``. Ao chegar perto do campo de futebol eles desceram do veículo. Os novos passageiros que entravam no ônibus perguntavam assustados, o que tinha acontecido no local. Mesmo depois que o transporte público começou a esvaziar eu permaneci em pé, não sentei, pois as cadeiras estavam todas com fragmentos de vidro e não queria-me cortar. Escapei ileso, sem nenhum arranhão deste cenário de guerra. Cheguei na minha casa em paz e nada de pior aconteceu.

Mas algo de ruim permanece. Um sentimento de incapacidade é terrível. Ver mulheres idosas sem proteção e você não poder fazer nada para protegê-las porque nem ao menos você consegue se proteger é uma sensação que me incomoda bastante e que ainda ficará comigo por algum tempo.

Vários sociólogos e psicólogos têm debatido sobre o tema da violência ligada ao futebol no Brasil. Não é raro ver neste país brigas generalizadas que acabam em mortes nos campeonatos brasileiros. São muitos os estudiosos que procuram causas para explicar a violência destes jovens. Os esquerdistas geralmente respondem que é culpa do sistema, da sociedade. Alguns influenciados por um tipo inútil de psicologia freudiana dizem que são frutos de um ambiente de repressão. Outros culpam o próprio governo como se este fosse o solucionador de todos os problemas da humanidade. E os comunistas mais radicais vão dizer que a culpa é do capitalismo. Assim eles retiram a culpa individual destes jovens e colocam a culpa em todos. Como escreveu Jay Adams: ´´É fácil lançar a culpa sobre a sociedade, porquanto o que é da responsabilidade de todo mundo não é da responsabilidade de ninguém.``

Cada um daqueles jovens tem plena responsabilidade dos seus atos, da exposição deles mesmos e de pessoas inocentes ao risco claro à vida. Leis e penas mais rígidas e duras devem ser promulgadas por nossos legisladores. Torcedores educados merecem todo respeito, mas estes torcedores promotores da violência urbana devem ser tratados como bandidos. Chega de passar a mão na cabeça destes marginais e fingir que não existem problemas graves envolvidos com o futebol.

Quando penso neste episódio, nenhuma explicação que os psicólogos, antropólogos ou outros acadêmicos fornecem me satisfaz. Somente encontro resposta nas Escrituras Sagradas. Só posso entender esta sede por violência na natureza humana quando compreendo a doutrina bíblico reformada da depravação total do homem. O primeiro, dos cinco pontos calvinistas. Ela afirma que todo ser do homem está gravemente afetado pelo pecado. A mente, vontade, os desejos e os sentimentos estão corrompidos pela inimizade à Deus. Os seres humanos por virtude da queda da raça em Adão e dos seus próprios pecados amam aquilo que Deus odeia.

´´porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade`` (Gn 8.21)
Geerhardus Vos comentando este texto diz:´´O que esta descrito agora é o estado natural de maldade no coração como tal, totalmente à parte dos problemas históricos.`` Diante da violência de jovens no Recife para a pura diversão própria só posso entender isto como uma clara e inequívoca evidência da maldade enraizada no coração. O estado em que o homem se encontra atualmente só pode ser descrito com precisão milimétrica pela Palavra de Deus. A solução completa da maldade humana só pode ser encontrada no evangelho consumado de Jesus Cristo, o único que pode transformar os corações corruptos dos homens, diante de Deus que sonda todas e mais íntimas inclinações do ser humano.

5 comentários:

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  2. Lembro-me do dia 31 de março, salvo engano, que meu professor resolveu fazer a chamada mais cedo e liberar os alunos para que se dirigissem aos seus lares com a finalidade de prevenir que algum de nós se encontrasse com alguma torcida. O que é lastimável, visto que preponderantemente o futebol tenha se manchado por grupos isolados.

    Recordo-me ainda do relato de um dos meus colegas. Dizia ele que, quando morava em afogados, sempre via alguns adeptos da torcida rubro-negra dividirem-se em dois grupos e se digladiarem tal qual bárbaros num terreno baldio ou mesmo pelas ruas. Se pararmos pra pensar no trauma que isso causa na própria sociedade ficamos abismados. Crianças crescem vendo tamanho absurdo. Crescem nesse meio, são influenciadas por ele!

    Cresci no interior e nunca vi tamanha paixão ao futebol. Claro que sempre tem aquele grupinho de senhores que se reúnem para debater algum jogo ou coisa parecida, mas nada que se equipare a violência encontrada por essas bandas do estado. Sinceramente não consigo entender a valoração prestada a não só o esporte, mas aos meios que dele se apropriam para promover a fuzarca desmedida.

    Ah, antes que esqueça, devemos ponderar uma observação aqui. Ao afirmar que "Leis e penas mais rígidas e duras devem ser promulgadas por nossos legisladores", vejo ser constituído um equivoco. Por inúmeras vezes vejo pessoas clamando aos berros por leis rígidas e penas mais duras. Enxergo nessa ideia uma ilusão e em sua divulgação um estratagema eleitoral por parte dos interessados em se elegerem a cada quatro anos. Direito penal não resolve nada, é um meio desesperado que a humanidade encontrou de, defeituosamente e lamentavelmente, penalizar seus semelhantes sem recorrer a Deus. Em tese o sistema repressor dos delitos e das penas seria para ressocializar o preso, portanto faz-se necessário trazer a lume uma pergunta simples: “Como ressocializar o que não socializou?”. “O problema está no homem e em sua natureza, que é má”, como diria Rogério Greco (grande penalista), não em leis mais abrangentes e rígidas ou em penas mais duras. O que falta na sociedade é a busca à Cristo.

    No mais, essa é uma opinião minha e não espero angariar correligionários porque, apesar de nunca ter passado por experiência parecida, entendo sua revolta. Entretanto, nunca é tarde para refletir uma decisão de defender uma ideologia tão radical. O que mais se aproximou de uma situação de violência “gerada pela sociedade”, foi o dia em que estava caminhando pelas imediações do Parque Treze de Maio e um indivíduo olhou pra mim e pediu meu celular. O encarei, balancei a cabeça, naturalmente, como se nada tivesse acontecido, e então, quando dobrei na esquina, percebi o que quase acontecera. Parei e pensei “poxa, aquele cara queria me assaltar!”. Só depois disso meu coração acelerou e fiquei com medo. Hahaha É até cômico relembrar, minha inocência ou falta de atenção me salvaram de uma situação como essa. Pode ser que meu empirismo me faça mudar a maneira de pensar, pode ser que não, no entanto atualmente vejo essa linha de raciocínio como a mais acertada.

    Belo post.

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  3. Kildery, obrigado pelo seu comentário.

    O fim da maldade humana está na obra consumada de Cristo. Mas o direito penal é legitimado pelo próprio Deus. Na esfera da sociedade a pena deve ser justa refletindo a ordem da criação e o mandato social que regularmenta a relação do homem com o seu semelhante. Longe de ser um meio desesperado que a humanidade escolheu, o direito penal deve refletir a justiça divina.


    Talvez a sua posição se baseie no pressuposto que você escreveu: ´´Em tese o sistema repressor dos delitos e das penas seria para ressocializar o preso``.

    Penso diferente, a questão não é se o transgressor irá ressocializar ou não, mas sim em práticar a justiça. E para este fim na sociedade Deus também constitui autoridades que tem a responsabilidade de promulgar leis e penas justas.

    Abraço

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  4. Olah!n entndo nada d lei,mas gostaria d t parabenisar pelo blog,eu sempre dou uma olhada,adoro seus comentarios.Olah!n entndo nada d lei,mas gostaria d t parabenisar pelo blog,eu sempre dou uma olhada,adoro seus comentarios.

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