Desejando Deus


“A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas pelo romper da manhã. Mais do que os guardas pelo romper da manhã (...)”.
SALMO 130.6

O cristianismo atual poderia muito bem ser caracterizado pela sua superficialidade. Nunca houve na história do cristianismo uma época em que se tenha à disposição tantas igrejas, tantas Bíblias, tantos programas de televisão, tantos programas de rádio, tantos livros, sites e blogs na internet. Mas, apesar disso tudo, a igreja moderna é, de maneira geral, superficial. Algo superficial é algo que não é profundo, algo raso, limitado, sem muita coisa por baixo das aparências.

Muitas evidências poderiam ser apontadas para sustentar esta ideia de uma igreja superficial: 1) o pequeno impacto que a igreja vem causando no mundo incrédulo; 2) os escândalos envolvendo cristãos que cada vez mais se avolumam; 3) as heresias e modismos que absurdamente são criados, impostos e seguidos; 4) o baixo nível de santidade pessoal em que vivemos, e etc. Mas um dos sintomas mais característicos (e talvez um dos mais tristes) desta superficialidade é a notável falta de desejo por Deus.

Este é um dos mais graves problemas nossos: a falta de desejo por Deus. Eu sei que cantamos inúmeras vezes todas as semanas músicas que falam sobre o querer Deus, o desejar Deus; mas quanto disso é verdade nas nossas vidas? Será que nós realmente temos desejo por Deus? Será que nós, de fato, anelamos pela comunhão com Cristo?

É disto que o salmista está falando: “A minha alma anseia pelo Senhor”. O desejo por Deus é algo comum ao longo das Escrituras, especialmente na literatura poética, na qual aparece sempre em uma linguagem apaixonada:
Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo... (Salmo 42.1-2)
Ó Deus, tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; o meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água. (Salmo 63.1)
Buscai o SENHOR e o seu poder; buscai perpetuamente a sua presença (Salmo 105.5)
A ti levanto as mãos; a minha alma anseia por ti, como terra sedenta (Salmo 143.6)

Não é pelo fato de o cristão ter Deus, que ele não possa deseja-Lo. É exatamente o contrário: é pelo fato de o crente ter Deus que ele deve deseja-Lo cada vez mais! Um incrédulo não quer Deus, ele não sente desejo por Deus, na verdade ele é um inimigo de Deus, e embora nem se dê conta disso; ele odeia Cristo e a Sua obra salvadora. A menos que o próprio Deus vença a sua resistência, lhe conceda a fé em Cristo e a habitação do Espírito Santo, homem algum jamais vai querer Deus!

“... mais do que os guardas pelo romper da manhã...”. O salmista emprega aqui uma ilustração simples, porém bastante significativa do quanto ele desejava a Deus. Ele chama à nossa memória a figura de um guarda noturno, um vigia que passa toda uma noite na escuridão da sua guarita, sofrendo com o frio e a solidão... Imagine o quanto ele não aguarda que a manhã rompa logo de uma vez no horizonte, para que ele possa trocar a guarda com o companheiro e finalmente ir descansar! Naquele momento, enquanto se está trabalhando como sentinela, o que qualquer um de nós mais iria querer senão o fim do nosso turno?! Pois era exatamente desta forma que o salmista desejava o Senhor!

“... mais do que os guardas pelo romper da manhã, mais do que os guardas pelo romper da manhã”. Em algumas versões, principalmente em inglês, estas duas sentenças pertencem a um único versículo, sem ligação com o verso seguinte. Desta forma, a intenção do salmista muito bem poderia ter sido enfatizar ainda mais o desejo que ele sentia pelo seu Deus! No idioma hebraico, a repetição era utilizada para enfatizar o que se estava dizendo. Lembrem-se dos ditos de Jesus: “em verdade, em verdade vos digo”. Então, o salmista estaria enfatizando ainda mais o seu desejo por Deus, como se dissesse: “Vejam a sentinela, observem aquele que vigia durante as noites. Imagine o quanto eles esperam ansiosamente o nascimento do sol, imagine o quanto eles desejam ardentemente a manhã para que possam descansar de suas fadigas! Pois eu muito mais que eles; muito, muito mais que os guardas desejam o nascimento do sol, muito mais eu desejo o Senhor Deus”!

O conhecimento verdadeiro de Deus, na pessoa de Cristo é algo que deve levar o cristão a um desejo cada vez maior de conhecer ainda mais este Deus, estar em comunhão com o Senhor, ouvir as Suas palavras, sentir a Sua presença, o Seu cuidado... Se não é assim comigo ou com você, então é sinal de que alguma coisa está errada conosco.Quantas coisas nos afastam do desejo por Deus? O pecado e a culpa que ele traz; afalta de zelo na disciplina espiritual, que inclui uma vida de oração deficitária (quando não, ausente), a falta da leitura particular das Escrituras e a sua meditação, o descaso para com o dia do Senhor (domingo); há tambémafalta de comunhão com os irmãos.

Mas o que podemos fazer para mudar esta realidade? Creio que seria muito fácil simplesmente dizer a vocês que basta fazer tudo aquilo que eu mencionei acima, só que ao contrário: devemos abandonar o pecado; devemos zelar pela nossa vida espiritual, orando, lendo a Bíblia, refletindo, guardando e santificando o domingo; devemos manter intensa comunhão com os santos... E não que isto seja errado, muito pelo contrário, são meios de graça indispensáveis e é preciso que lutemos mesmo e de verdade para andarmos nestes caminhos.

Porém, existe algo extremamente necessário que deve vir antes disso tudo: a contemplação do Deus a quem servimos. Ao refletirmos um pouco sobre a grandeza de Deus e sobre os Seus atributos, é impossível não deseja-Lo! Quando pensamos acerca da soberania de Deus, a sua santidade, a sua glória, o seu poder, a sua eternidade, a sua infinidade, a sua graça, o seu amor, a sua misericórdia, a sua bondade, a sua justiça, o seu amor... Como não desejar este Deus? Como não querer cada vez mais dEle?

“A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas pelo romper da manhã. Mais do que os guardas pelo romper da manha”. Que esta possa ser a nossa oração ao Senhor. Que estas palavras do salmista possam ser as nossas palavras e que haja em nós esse desejo de conhecer mais do nosso Senhor Jesus Cristo. Que possamos deseja-Lo acima de tudo, que possamos sentir prazer nEle.Lembre-se para quê você foi criado: “para glorificar a Deus”, mas também para“gozá-Lo para sempre”.

Caio Andrade*


*Caio Andrade é presbítero da Primeira Igreja Presbiteriana de São Bento do Una.

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